Quais hábitos de vida de professores da educação básica pública contribuem para doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)? A resposta para esta questão foi o propósito de um artigo recentemente publicado na Revista Brasileira de Saúde Ocupacional. A publicação foi fruto de uma pesquisa realizada com professores da educação básica da rede estadual de ensino de Montes Claros, o “Projeto ProfSMoc”. O projeto foi realizado por professores e acadêmicos dos Programas de Pós-Graduação em Ciências da Saúde (PPGCS) e Cuidado Primário em Saúde (PPGCPS) da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).
A equipe do projeto ProfSMoc contou com os seguintes professores e pesquisadores: Desiree Sant'ana Haikal, Rosângela Ramos Veloso Silva, Marise Fagundes Silveira, Luiza Rossi, Alfredo Maurício Batista de Paula e Maria Fernanda Santos Brito Figueiredo, além das acadêmicas de pós-graduação Tatiana Almeida de Magalhães e Marta Raquel Mendes Vieira e de vários alunos de Iniciação Científica.
A professora e pesquisadora Desirée Sant’Ana Haikal, coordenadora do grupo, explica que o estudo contou com a participação de 760 professores da educação básica de 35 escolas da rede estadual em Montes Claros. Ela salienta que o Projeto ProfSMoc foi o primeiro de uma série de estudos envolvendo professores da educação básica estadual que vem sendo desenvolvidos pelo grupo.
A professora e pesquisadora Desirée ressalta que a equipe de campo visitou as escolas para entrevistar e realizar uma avaliação física dos professores. Foram levantadas informações sobre o perfil sociodemográfico, perfil ocupacional, satisfação com o trabalho, condições laborais, hábitos/estilo de vida, nível de atividade física, utilização dos serviços de saúde, uso de medicamentos, licenças médicas por estresse/depressão. E ainda: acidentes de trabalho, qualidade de vida, autopercepção da Saúde, saúde da Mulher e do Homem, Condições físicas e psicossociais de saúde, Problemas vocais auto relatados, dentre outros.
Já a avaliação física, foi constituída por aferição de peso, altura, bioimpedância (avaliação da composição corporal), circunferência da cintura, circunferência do quadril, pressão arterial, força manual e avaliação vocal. “Todos esses procedimentos foram realizados de acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) com cumprimento dos procedimentos padronizados e obedecendo as normas de biossegurança”, assegura a pesquisadora.
Resultados da pesquisa
Dos 760 profissionais avaliados no levantamento, a maioria era do sexo feminino (85,7%) e idade até 40 anos (50,1%). De acordo com a pesquisa, 89,5% dos profissionais entrevistados apresentaram percentual de gordura corporal elevada e 53,3% tiveram excesso de peso/obesidade. Entre os fatores de risco, observou-se entre os professores alta prevalência de substituição de refeições principais por lanches (91,7%).
Cerca de 40,3% dos professores avaliados apresentaram estresse, 24,3% com nível de colesterol elevado (dislipidemia) e outros 17,6% apresentaram hipertensão arterial.
Do total de profissionais avaliados, 23,2% apresentaram sintomas depressivos, o que significa que os professores apresentaram mais que o dobro da prevalência de sintomas depressivos quando comparados com os adultos brasileiros em geral, investigados pela Pesquisa Nacional de Saúde - (PNS, que foi de 9,7%).
Quanto às associações, no geral, o estudo revelou maior prevalência de fatores de risco para professores do sexo masculino quando comparados aos do sexo feminino, em especial os relacionados aos hábitos (fumo, consumo abusivo de álcool, consumo de refrigerantes/suco artificial, carnes com excesso de gordura, tempo maior gasto assistindo à TV). Entretanto, as mulheres apresentaram pior autopercepção de saúde e maior comprometimento de sintomas relacionados à saúde mental.
Em relação à idade, observou-se que os professores mais velhos, ao serem comparados aos mais jovens, apresentaram menor prevalência de Síndrome de Burnout (exaustão pelo trabalho) e maior prevalência de comportamentos de proteção para DCNTs (não fumante, ex-fumante, menor consumo de doces, menor consumo de sal, maior consumo de água, mais ativos fisicamente e maior realização de exames preventivos), embora tenham apresentado maiores prevalências de comprometimentos da saúde física (hipertensão, dislipidemia, excesso de peso e obesidade, assim como de aumento do percentual de gordura corporal, entre outros).
Insatisfação com o trabalho
Cerca de 60% dos professores participantes da pesquisa relataram estar insatisfeitos com o trabalho docente. A professora Desirée Haikal explica que “entre os professores insatisfeitos com o trabalho, houve maior proporção de comportamentos de risco quanto ao abuso da internet e sintomas relacionados à saúde mental, assim como menores prevalências de realização de exames preventivos e de indivíduos ativos fisicamente, quando comparados aos professores satisfeitos com o trabalho”.
Resultados para a Universidade
A professora Desirée Haikal destaca que o grupo de pesquisa do projeto fortaleceu e incentivou outras coletadas de dados envolvendo professores, inclusive envolvendo agora professores de todo o estado de Minas e não mais somente restrito a Montes Claros. “Temos nos consolidado como grupo de pesquisa envolvendo as condições de saúde e trabalho de professores da educação básica”.
“Além disso, já foram publicados ou aceitos para publicação, cerca de 40 artigos científicos em periódicos nacionais e internacionais, entre os anos de 2017 e 2023 com temática envolvendo a saúde de professores da educação básica estadual. Os resultados são de grande importância, não só por levarem o nome da Unimontes, mas principalmente pela busca da valorização do trabalho docente, possibilitando um olhar aprofundado para a saúde de professoras e professores, bem como possíveis intervenções para melhorar a qualidade de vida desses trabalhadores”, afirma a pesquisadora.
Política de bem-estar saúde e qualidade de vida dos profissionais da educação
A obtenção de tais dados mostra-se fundamental para a elaboração de políticas públicas que valorizem o bem-estar docente. É o caso recente da Política de Bem-Estar, Saúde e Qualidade de Vida no Trabalho e Valorização dos Profissionais da Educação, instituída pela Lei Federal, Nº 14.681, de 18 de setembro de 2023).
A política pública, definida pela referida lei, tem como objetivos: o desenvolvimento de ações direcionadas para a atenção à saúde integral e a prevenção ao adoecimento dos trabalhadores, bem como o estímulo a práticas que promovam o bem-estar no trabalho de maneira humanizada e duradoura. “A repercussão maior do artigo especificamente mencionado (“Fatores de risco e proteção para doenças crônicas não transmissíveis entre professores da educação básica”) se deu porque ele foi citado pela imprensa na divulgação dessa lei nacional, reforçando a importância de se conhecer a real realidade e os problemas que de fato afligem os professores da educação básica pública, para se planejar ações acertadas, direcionadas às reais necessidades verificadas”, conclui a professora Desirée Haikal.